Isaac Asimov - Quem é Robert Silverberg

QUEM É ROBERT SILVERBERG
por ISAAC ASIMOV
 

Se há coisa que eu goste de fazer é brilhar condescendentemente ao lado da ofuscante luz de jovens autores que se introduzem em meu campo, isto é, a ficção científica. É algo sumamente delicioso, para um homem intransigente, possuidor de enorme lastro como mestre estabelecido no gênero - sou Isaac Asimov, esclareço, para o caso de você nunca ter ouvido falar em mim - encorajar alguns jovens que começam a engatinhar no terreno que venho pisando firmemente há muito tempo. Estava pronto para fazer isso por Robert Silverberg quando ele começou a publicar histórias de ficção científica, em meados de 1950. Preparei um pequeno discurso, que nada tinha de espantoso em matéria de inspiração, claro, mas continha o toque exato da necessária dignidade. E o fiz.

Que pensa você que a miserável e ingrata criatura fez? Subiu com a incrível velocidade de um foguete interplanetário!

Eu estava descendo para erguê-lo acima de minha cabeça, quando o diabo disparou e passou raspando pelo meu nariz! Quando dei um passo atrás e olhei para cima, lá estava Robert Silverberg - uma estrela de primeira grandeza no céu da ficção científica. Transformara-se, de mero fã, em ótimo escritor, exatamente em zero tempo.

Depois de uns dois meses, muita gente veio dizer-me:

- Olhe para ele, Asimov, e procure, você também, ser um Robert Silverberg algum dia! Matei-os, é claro, um por um!)

Mas era verdade. Você deve estar achando que acabei passando por cima dessas coisas, mas não o fiz. Estava em meu íntimo o cancro de todas as vinganças abortadas, emaranhando-se e roendo-me. Eu não podia esquecer. Algum dia - guarde bem minhas palavras - algum dia chegará o tempo em que ele irá querer erguer-me acima de sua cabeça e pronunciar palavras protetoras!

E EU NÃO QUERO ISSO!

Como se não bastasse, o jovem Robert intensificou seu vicioso comportamento, realizando exatamente o que todo escritor gostaria de realizar.

Imagine! É moreno, bonito e esguio; tem sombrios, brilhantes e profundos olhos, que parecem provar que sob a pele e músculos - para desarmar a gente - existe uma verdadeira alma habilidosa no manejo do escalpelo Já vi muitas mocas caírem em êxtase diante de seu olhar quente-frio, que lhes fora conferido por um momento apenas e depois desviado com indiferença.

Eu, é claro, sou imune a isso; mas quando ele me olha, apresso-me a abotoar o paletó.

Além disso, ele é barbudo. Usa barba, mas não com exagero, apenas a que recomenda seu tino literário. O que lhe confere satânica aparência. Já vi muitas mocas caírem... Não. Já disse isso antes. (Claro que tenho inveja. Sou incrivelmente bonito, mas meu rosto tem uma beleza clara, aberta, honestamente franca, com um nadinha de satânico; apenas o suficiente para inspirar verdadeiros sentimentos fraternais aos corações femininos.)

E, como isso tudo nada fosse, sua conversa não é frívola. Não a dele, que maneja a ironia como um estilete, enterrando-o, sem que a gente o perceba, até o coração. Para ele, de preferência, reserva a magnífica arte de retalhar, tão eficientemente, sem exagerada pressa, rasgando a pele da gente da cabeça aos pés.

Certamente sua taça de iniquidade está repleta!

Ainda não. Que espécie de esposa você acha que esse tipo de escritor deveria arranjar? Uma víbora que lhe desse de volta o que ele tão ricamente prodigaliza com naturalidade.

Bem, mas não é assim. Bárbara Silverberg é uma doce, gentil e lindíssima moça, que satisfaz amorosamente a todos os caprichos de Robert e que acredita em sua aparência indecentemente inteligente! Ela, por sinal, é engenheira.

Naturalmente, tentei várias vezes ficar a sós com ela para esclarecer alguns pontos de engenharia, dos quais necessitava para algumas de minhas obras mais técnicas.

Você deve achar que o jovem Robert procura compreender necessidades de pesquisas como essas... Mas, apesar de toda aparência externa, ele é mais satânico e matreiro do que se pensa! Em todas as ocasiões, permanece sempre entre Bárbara e eu... e toma nota de tudo!

Acho que essa é uma de suas piores características: simplesmente, ele não tem tato!

Seria bem feito para ele se você se recusasse a ler este livro!

Mas, vamos, leia-o! Você verá que é bom. Esse traidor escreve excelentes histórias!


Isaac Asimov, prefácio para a antologia de contos de Robert Silverberg: Rumos aos Mundos do Futuro. (Edameris - 1967)

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